Alergia alimentar: um problema que você pode ter e ainda nem percebeu
(Artigo produzido em estudos de Portugal, por isso algumas expressões usadas são tipicamente portuguesas)
A alergia alimentar é uma reação de saúde adversa que ocorre quando o sistema imunológico reconhece erradamente um alimento como uma entidade agressora ao organismo. A fração desse alimento que é responsável pela reação alérgica denomina-se alergénio. Pensa-se que pelo menos 5 em cada 100 crianças sofram de alergia alimentar, e que nos adultos a prevalência seja mais baixa, entre 3 a 4%.
Qual é a diferença entre a alergia alimentar e a intolerância aos alimentos?
Uma intolerância alimentar caracteriza-se por uma reação adversa, reprodutível, que ocorre após a exposição a um determinado alimento, mas que ao contrário da alergia alimentar não envolve o sistema imunológico. A intolerância à lactose é um exemplo desta condição, que se caracteriza pela incapacidade do organismo de digerir a lactose, um açúcar naturalmente presente no leite. As manifestações da intolerância à lactose incluem diarreia, flatulência e dor ou desconforto abdominal.
Quais são os principais alimentos envolvidos na alergia alimentar?
As alergias alimentares mais comuns são ao leite de vaca, ovo, amendoim e frutos de casca rija, como as nozes (conhecidos por “frutos secos”), peixe, marisco, trigo e soja, sendo estes alimentos responsáveis por 90% das reações. Embora com menos frequência, alguns indivíduos são alérgicos a mais do que um alimento, sofrendo portanto de alergia alimentar múltipla. Em alguns casos, para além dos alimentos diretamente implicados nas reações alérgicas, ocorrem manifestações perante a exposição a outros alergénios alimentares ou mesmo a aeroalergénios. Este fenómeno designa-se reatividade cruzada e surge devido às semelhanças estruturais moleculares entre os alergénios. Por exemplo, a alergia ao marisco, nomeadamente ao camarão, está associada à alergia a ácaros; a alergia a pólen de gramíneas pode estar associada a sensibilização ao tomate.
Como se manifesta clinicamente a alergia alimentar?
As manifestações clínicas da reação alérgica podem variar de moderadas a graves, podendo mesmo, em alguns casos, ser fatais. Os sintomas surgem rapidamente, entre alguns minutos até duas horas após a ingestão do alergénio, e podem incluir manifestações cutâneas (pele e mucosas), respiratórias, gastrointestinais e cardiovasculares, de forma isolada ou combinada:
- Manifestações cutâneas: erupções cutâneas, eczema, urticária;
- Manifestações gastrointestinais: vómito, dores abdominais, diarreia;
- Manifestações respiratórias: pieira, dificuldades respiratórias;
- Outras manifestações (mais graves): edema do glote e da língua, sensação de formigueiro na boca, diminuição da pressão arterial, perda de consciência.
A manifestação mais grave das alergias alimentares é a reacção anafilática. Em que consiste?
A anafilaxia é uma reação que pode ocorrer em muitos dos indivíduos com alergia alimentar, podendo ser fatal se não for tratada convenientemente. Trata-se de uma manifestação muito grave, com múltiplos sinais e sintomas, onde se incluem os cardiovasculares. As alergias que mais comummente se associam à anafilaxia são ao leite de vaca, ovo, peixe, amendoim e frutos de casca rija e marisco.
O que fazer em caso de ingestão acidental ou aparecimento dos sintomas?
É vital o reconhecimento dos sinais e sintomas associados à anafilaxia bem como a familiarização com o procedimento necessário em caso de ingestão acidental. Indivíduos com alergia alimentar devem encontrar-se devidamente identificados e fazer-se acompanhar de um kit de adrenalina, na dose de adulto ou de criança conforme indicado (dispositivo autoinjetor de adrenalina intramuscular – Anapen®) e medicação anti-histamínica. Perante uma situação de ingestão acidental, deve ser imediatamente administrada a adrenalina através do autoinjetor, mantendo o dispositivo na zona de aplicação durante 10 segundos e massajando posteriormente a mesma zona. Os serviços de emergência devem ser chamados de imediato ao local de forma a garantir a assistência médica necessária.
A alergia alimentar tem tratamento?
O tratamento da alergia alimentar consiste principalmente na evicção alimentar – a eliminação do alergénio da alimentação do indivíduo. A eliminação do alergénio implica, portanto, a não ingestão de todos os alimentos que o contêm. Assim, por exemplo, uma criança que tenha alergia alimentar à proteína do leite de vaca não poderá consumir qualquer tipo de produtos lácteos, bem como preparações culinária que contenham leite ou derivados, como manteiga, queijo ou iogurte. É de igual importância garantir que a alimentação e a ingestão de nutrimentos não fica comprometida como consequência da evicção alimentar, devendo ser consumidos outros alimentos nutricionalmente equivalentes, mas que não contenham o alergénio. Em casos seleccionados é ainda possível induzir a tolerância ao alimento, nomeadamente ao leite.
Este é um procedimento seguro e eficaz se realizado por médicos e centros com experiência. Contacte o seu médico imunoalergologista que o orientará em relação às indicações ou às limitações para a indução de tolerância, mas a qual será sempre efectuada em meio hospitalar. O imunoalergologista poderá também pesquisar a tolerância a alimentos que, apesar de pertencerem ao mesmo grupo, podem não provocar reacções alérgicas, tal como acontece, por exemplo, na alergia ao peixe.
Em que consiste a evicção alimentar?
De modo a prevenir a ocorrência de uma reação alérgica é necessária a restrição, não só de todos os alimentos diretamente responsáveis pela alergia, como também daqueles que poderão conter o alergénio na sua composição. É essencial conhecer quais são os ingredientes que compõem uma receita ou preparação culinária, mesmo quando a presença do alimento alergénico em questão não é aparente. Por exemplo, a confeção de puré de batata poderá incluir como ingredientes leite, ovo e farinha de trigo, ingredientes estes que muitas vezes não são considerados e que devem ser evitados, se uma reação alérgica lhes estiver associada. Para prevenir uma ingestão acidental, é fundamental a educação para a leitura e interpretação de rótulos alimentares, no sentido de identificar alergénios potencialmente escondidos.
Os alimentos processados incluem muitas vezes alergénios escondidos, que podem não ser evidentes pela sua designição, p.e. a presença de frutos secos num chocolate de leite. Por vezes a presença ocorre por contaminação cruzada nas linhas de produção dos alimentos processados, por exemplo quando se utiliza a mesma de linha de produção para chocolate de leite e para chocolates com frutos de casca rija ou bolacha (trigo). O planeamento da dieta passa frequentemente pela colaboração entre o médico e o nutricionista visando garantir uma alimentação diversificada e que não se relacione com carências ou erros nutricionais. Em alguns casos quantidades muito reduzidas de alergénio podem ser suficientes para provocar uma reação grave.
Que alimentos devem ser evitados nos casos das alergias alimentares mais importantes?
- Alergia ao leite: leite (vaca, cabra, ovelha, condensado, evaporado, desnatado, em pó) e derivados, papas lácteas, puré, empadão, pratos que levem natas ou leite e derivados, molho bechamel, produtos de pastelaria, gelados, caramelizados, soro e proteínas de leite, aromas e aditivos alimentares derivados do leite;
- Alergia ao ovo: ovos (galinha, codorniz, peru, pata, avestruz, gema e clara), salgados (rissóis, bolinhos de bacalhau, croquetes, panados), maionese, gemada, alimentos pincelados com ovo (empadão, empadas, folhadinhos), salada russa, entre outras receitas que levem ovo, biscoitos, folhados, empadas, massa tenra, massa folhada, molho holandês, hambúrgueres, salsichas, bolachas, ovo em pó desidratado, proteínas do ovo;
- Alergia ao trigo: massas, farinha de trigo, pão, tostas, flocos de cereais, gelados com bolachas ou biscoitos, papas lácteas e não lácteas com trigo, chocolates com bolacha, sopas pré-confecionadas, molhos, seitan, canja, pastéis salgados (rissóis, croquetes, empadas), panados, pizza, lasanha, francesinha, chocolates e bombons, patés, enchidos, molho de soja, delícias do mar, farelo, glúten, malte e cerveja;
- Alergia aos frutos secos: manteiga de amendoim, rebuçados, pastéis e óleo de amendoim, gelados, bolachas, cereais (muesli), pastéis, bolos, chocolates, bombons, licores, óleo de coco, leite de coco, cones de gelado, pão com frutos secos;
- Alergia ao marisco: molho de francesinha, arroz de marisco, molho de marisco, paté;
- Alergia ao peixe: caldeirada, massa de peixe, arroz de marisco, salada russa, farinha de pau com peixe, atum em lata, bolinhos de bacalhau, sopas de peixe (frescas ou em pó), patés;
- Alergia à soja: soja, feijão de soja, rebentos de soja, tofu, molho de soja, molho shoyu, farinha de soja, óleo de soja, produtos à base de soja, iogurtes e bebidas de soja (leite de soja).
O que é a contaminação cruzada?
Muitas vezes um alimento que parecia ser seguro pode desencadear uma reação alérgica, apenas por ter entrado em contato com outros alimentos que têm o alergénio. A este fenómeno designa-se contaminação cruzada, podendo em alguns casos ter consequências severas. Outra manifestação que se relaciona com a reatividade cruzada entre alergénios é o Síndrome de Alergia Oral (SAO) que se caracteriza pelo aparecimento de edema, comichão e/ou formigueiro dos lábios, boca e garganta após o contacto de um fruto fresco ou produto hortícola com a mucosa oral do indivíduo alérgico. Geralmente estes doentes são também alérgicos a pólen. Os alimentos mais frequentemente envolvidos no SAO são a maçã, pêssego, ameixa, pera, tomate, melão, kiwi, banana, cereja, pepino, cenoura, amêndoa e avelã.
Que cuidados devemos ter na preparação alimentos e refeições que podem prevenir a contaminação cruzada?
- Lavar corretamente as mãos entre as várias etapas de manipulação de alimentos;
- Não usar os mesmos utensílios durante a preparação, confeção, empratamento e distribuição de refeições (talheres, misturadoras, batedeiras, tábuas de corte, pratos, travessas, tachos e panelas e outros);
- Não utilizar o mesmo óleo de fritura ou água de cozedura para diferentes alimentos;
- Não utilizar as mesmas bancadas ou superfícies de contacto para a manipulação de alimentos;
- Durante as refeições, os doentes com alergia alimentar devem evitar a partilha de utensílios (talheres, pratos, guardanapos, copos) ou contacto direto com alimentos potencialmente alergénicos.
Um caso especial de intolerância alimentar é a doença celíaca. Em que consiste?
A doença celíaca é uma doença autoimune que se caracteriza por uma reação imunológica contra o próprio intestino delgado perante a ingestão de glúten. O glúten é uma substância constituída por proteínas que se encontram naturalmente presentes em alguns cereais, nomeadamente o trigo, o centeio, a cevada e a aveia. Os doentes celíacos são extremamente sensíveis ao glúten, podendo sofrer lesões na mucosa intestinal mesmo quando este é ingerido em pequenas quantidades.
[perfectpullquote align=”right” bordertop=”false” cite=”” link=”” color=”” class=”” size=””]A doença celíaca não é uma alergia alimentar pois resulta de uma reacção imunológica dirigida a estruturas do próprio organismo que é induzida pela ingestão de glúten[/perfectpullquote]A doença celíaca é uma alergia alimentar ao trigo?
A doença celíaca não é uma alergia alimentar pois resulta de uma reacção imunológica dirigida a estruturas do próprio organismo que é induzida pela ingestão de glúten. A alergia alimentar, por sua vez, caracteriza-se por um conjunto de manifestações resultantes de uma reacção imunológica dirigida a um componente específico de um alimento. Apesar de fisiopatologicamente se tratarem de doenças distintas o tratamento incide, em ambos os casos, na evicção alimentar – o glúten, na doença celíaca, e os alimentos responsáveis pelas manifestações alérgicas na alergia alimentar.
Qual é o tratamento da doença celíaca?
À semelhança de indivíduos com alergia alimentar, o tratamento da doença celíaca consiste na evicção de glúten, ou seja, na eliminação total de trigo, centeio, cevada e aveia da alimentação. A evicção dos alimentos que contêm glúten resulta numa recuperação completa por parte de doentes celíacos, devendo este ser um tratamento permanente e não apenas transitório. Também no tratamento da doença celíaca é necessário conhecer todos os ingredientes de preparações culinárias e receitas e reconhecer a presença de glúten em produtos rotulados, de modo a evitar a ingestão acidental.
Também existe a possibilidade de contaminação cruzada na doença celíaca?
Alimentos com glúten (trigo, centeio, cevada e aveia) podem transferi-lo para alimentos sem glúten através de contaminação cruzada, por contacto direto (adição) ou indireto (contacto). Por este motivo, também na doença celíaca devem ser seguidas as medidas necessárias para evitar a contaminação cruzada.
Que alimentos devem evitar os doentes celíacos e quais podem comer sem perigo?
- Alimentos que contêm glúten: Farinha de trigo, centeio, cevada e aveia, pão, bolos, pastéis, biscoitos, bolachas, massas e esparguete, pizza, lasanha, salgados (empadas, rissóis, lanches, pasteis de massa folhada), bebidas destiladas, produtos manufaturados com farinha de trigo, centeio, cevada e aveia;
- Alimentos que podem conter glúten: enchidos e produtos de charcutaria, queijos fundidos, patés, conservas de carne ou peixe, aperitivos, alguns gelados, alguns doces, chocolates, café;
- Alimentos que não contêm glúten: leite e iogurtes, carnes e peixes, ovos, legumes, hortaliças e tubérculos, leguminosas, frutas frescas e secas, arroz, milho, tapioca e seus derivados, açúcar e mel.
(Fonte: Espaço da Saúde | Foto: VisualHunt)